Crédito habitação: como é que os bancos avaliam a taxa de esforço? Subida de juros está a dificultar o pagamento das prestações da casa e a levantar questões sobre o cálculo da taxa de esforço. Antes de um crédito habitação ser concedido a uma família que pretende comprar casa, os bancos devem avaliar vários aspetos para garantir que os futuros mutuários têm capacidade financeira para... 03 jan 2023 min de leitura O que é a taxa de esforço? E como se calcula? A taxa de esforço das famílias é calculada antes de um crédito habitação ser concedido. Permite analisar o peso que a prestação da casa (e outros empréstimos) terá sobre orçamento familiar, medindo, assim, a capacidade financeira das famílias de cumprir com o pagamento do crédito. Em concreto, a taxa de esforço é, nada mais nada menos, que o Debt Service-to-Income ratio (DSTI). É, portanto, esta sigla que traduz o “rácio entre o montante total das prestações mensais associadas a todos os empréstimos detidos pelo mutuário e o seu rendimento mensal líquido de impostos e contribuições obrigatórias à Segurança Social”, tal como explica o Banco de Portugal (BdP). A taxa de esforço (ou DSTI) calcula-se, portanto, segundo a fórmula: Taxa de esforço = (Encargos financeiros mensais / Rendimento) x 100 Por outras palavras, esta taxa expressa o rendimento disponível da família para fazer face às despesas do dia a dia - como alimentação, transportes e combustível, educação e lazer -, depois de pagar todas as suas obrigações mensais com créditos, sejam prestações da casa, crédito automóvel, cartões de crédito ou crédito pessoal. Sobre o cálculo da taxa de esforço, o regulador português esclarece que “as prestações mensais do novo contrato de crédito devem ser calculadas assumindo que são constantes ao longo do período de vigência do contrato, considerando o impacto de um aumento da taxa de juro no caso de contratos a taxa de juro variável e mista e uma redução do rendimento dos mutuários quando a idade no termo previsto no contrato ultrapasse 70 anos, exceto se no momento da avaliação da solvabilidade dos mutuários já se encontrarem em situação de reforma”. E embora a taxa de esforço não inclua diretamente a todas as outras despesas familiares, importa referir que na análise da solvabilidade – que é também realizada antes de conceder um crédito -, os bancos têm de ter em conta outros aspetos como a idade, rendimentos e despesas regulares ou a situação profissional. Foto de Sora Shimazaki no Pexels Estes são os limites da taxa de esforço em Portugal… Para que o crédito habitação (ou outros empréstimos) sejam concedidos, a taxa de esforço não deverá ultrapassar certos limites impostos pelo regulador liderado por Mário Centeno. “Os novos créditos habitação, créditos com garantia hipotecária ou equivalente crédito ao consumo devem apresentar DSTI inferior ou igual a 50%”, lê-se no BdP. Mas há exceções do montante total de novos créditos concedidos por cada instituição, explica ainda: montante até 10% pode ter DSTI de 60%; montante até 5% pode ultrapassar os limites ao DSTI. “Apesar de o limite imposto pelo Banco de Portugal ser os 50%, não é recomendável que a DSTI seja superior a 33%. Ou seja, que as prestações dos créditos não ultrapassem um terço do rendimento líquido do agregado familiar”, assinala Miguel Cabrita, responsável pelo idealista/créditohabitação em Portugal. Já a Deco –Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor partilhou recentemente com o idealista/news que a taxa de esforço das famílias não deve ser superior a 35%. O que é certo é que quanto maior for a taxa de esforço, maior é o risco de surgirem dificuldades financeiras em situações imprevisíveis, como uma situação de desemprego, doença ou divórcio. Apesar dos limites estipulados pelo BdP e das recomendações dos especialistas, os dados divulgados pelo Gabinete de Proteção Financeira da Deco em outubro revelaram que a taxa de esforço das famílias é de 78%, refletindo o enorme peso das prestações dos créditos (860 euros) sobre os rendimentos médios (1.100 euros). Pexels Cálculo da taxa de esforço tem margem para melhorar As taxas Euribor têm escalado durante 2022, estando já nos patamares de 2% e 3%. E este cenário encareceu os créditos habitação de taxa variável (sobretudo os mais recentes e de elevado capital). Com as prestações da casa mais elevadas, as taxas de esforço destas famílias também aumentaram. E algumas tiveram mesmo de pedir ajuda. De acordo com o Gabinete de Proteção Financeira (GPF) da Deco, têm chegado pedidos de ajuda de famílias que contrataram créditos habitação recentemente (2021 e 2022) e que já estão a sentir dificuldades em suportar os aumentos dos juros, escreve o Público. Esta realidade levou a diretora da GPF, Natália Nunes, a questionar se o cálculo da taxa de esforço estaria correto ou se seria desadequado a um cenário de subida de juros, como hoje se verifica. Recorde-se que, segundo o BdP, no caso dos créditos habitação de taxa variável ou mista o cálculo da taxa de esforço deve considerar “o impacto de um aumento da taxa de juro”. Este impacto é incluído na fórmula através da soma de 3% à taxa de juro do empréstimo. Ou seja, se a taxa de juro do empréstimo estiver em 4,2% (Euribor a 3% no final do ano + spread de 1,2%), ao somar a taxa extra de 3% (uma espécie de margem de segurança), a taxa usada para avaliar se a família tem capacidade para pagar o empréstimo será de 7,2%. Será com base nesta taxa (7,2%) que será calculado o valor da prestação da casa a pagar. Esta prestação será somada, por sua vez, a outros encargos com créditos da família. E, no fim, o valor total de empréstimos será dividido pelos rendimentos líquidos do agregado. No final, os bancos só estão autorizados a conceder empréstimos habitação se o valor do DSTI for inferior a 50%, o limite estipulado pelo Banco de Portugal no âmbito novos contratos de crédito habitação. O que hoje se verifica é que os créditos habitação contratados quando a Euribor ainda estava no negativo têm hoje a margem de segurança dos 3% já ultrapassada – ou está prestes a ser. Se uma família contratou um crédito habitação em novembro de 2021, com a Euribor a 6 meses no negativo (-0,5%) e um spread de 1%, significa que o empréstimo foi concedido tendo em conta uma taxa de juro de 3,5% (já somada a margem de segurança). Mas quando esta prestação foi atualizada em novembro deste ano, a taxa de juro efetiva passou para 3,321% estando já a aproximar-se e quase a ultrapassar da taxa de juro com margem de segurança calculada há um ano. Isto quer dizer que num cenário em que a Euribor suba ainda mais e atinja os níveis de 2008, alcançando o patamar dos 5%, a almofada imposta na Medida Macroprudencial do BdP para o crédito habitação seria anulada e ultrapassada em larga medida. Pexels Mas este não é o único ponto que levanta dúvidas sobre o cálculo da taxa de esforço. O Gabinete de Estudos Económicos e Financeiros do BPI destacou que este cálculo do DSTI apresenta limitações, nomeadamente por “ignorar a métrica do rendimento disponível em termos absolutos”, cita o jornal. Por exemplo, um agregado familiar com rendimento mensal de 4.000 euros e outro com 2.000 euros podem ter ambos uma taxa de esforço de 36%, mas o rendimento disponível líquido após pagamento das prestações de empréstimos, e que serve para responder às restantes despesas, é diferenciado, e, por conseguinte, o esforço real também é bastante diferente”, referiu o BPI no último relatório sobre a economia portuguesa. Importa recordar que a taxa de segurança de 3% só se aplica aos empréstimos de taxa variável e de taxa mista. Já nos empréstimos a taxas fixas, a taxa de esforço é calculada sem enquadrar qualquer taxa extra de 3%, uma vez que as prestações da casa não mexem do início ao fim do contrato. "As famílias com orçamentos mais reduzidos são aquelas que maior ponderação devem ter na contratação de uma solução de taxa fixa, pois assim evitariam a volatilidade da prestação do crédito habitação", acrescenta ainda Miguel Cabrita. Fonte: "Idealista" Partilhar artigo FacebookXPinterestWhatsAppCopiar link Link copiado